sábado, 28 de julho de 2012

ANTÔNIA - 6


Uma é diferente da outra. Marta foi presa por porte de armas e homicídio. Ângela e mais quatro delas, porque estavam traficando. A loira, que não sei o nome, matou o filho e nem se lembra. Depois ficou chorando sobre o corpo dele. Ana Claudia decapitou o marido. Ela disse que ele estava traindo-a com a vizinha. Sua vontade era de matar a vizinha também, mas a polícia chegou na hora e a prendeu. Todas estavam esperando por julgamento. Nenhuma mostrava arrependimento.
Eu queria entender porque estava lá. Não havia motivos. Eu estava trabalhando na hora que a polícia chegou, mas eles não acreditaram em mim. Talvez, também, porque não tenho documentos… Minha pele é queimada do sol e tenho aparência muito mais velha do que sou.
A saudade de casa é muito grande. O sonho de ser alguém com o tempo vai sumindo de dentro da gente. Não há perspectiva de mudança. Não existe uma luz no fim do túnel. Para quem é detento, não há mais chance de felicidade… pelo menos é o que a gente pensa aqui dentro.
Cada uma tem uma história diferente. É um lugar de muita dor e muito frio. Há relatos de mulheres que mataram e nem sabem que o fizeram. Disseram que quando deram por si, havia um corpo ensanguentado em sua frente e sua roupa coberta do sangue do cadáver.
Outras querem sair da vida do tráfico, mas não conseguem. Sozinha é muito difícil, acho que é impossível.
Tem uma viciada na cela ao lado. Ela treme muito quando fica sem a cocaína, mas quando consegue a droga delira dizendo estar vendo pessoas que ninguém vê.
Tinha medo de dormir e me matarem. Ficava no canto da cela. Não tinha colchão, dormia sentada no chão. Elas não me aceitaram e me olhavam sempre com ódio, querendo comer o meu fígado. Do jeito que elas eram, podiam até comer mesmo.
No dia seguinte, o almoço novamente foi servido. Desta vez, olhei para o alumínio e reparei no que estava dentro. Um arroz grudento e caroços de feijão seco. Não tinha sabor. Uma delas me relatou que eles juntam todo o resto da comida, lavam novamente e requentam com cebola. Eu achei estranho, mas o gosto não era de comida feita naquele dia… Novamente o pãozinho estava emborrachado.

Quatro meses se passaram e eu estava na mesma situação. O desespero começou a tomar conta de mim, porque não tinha  ninguém para telefonar,  ninguém para pedir ajuda, eu não sabia o que fazer…

Comecei a usar as roupas do presídio. Um uniforme rosa e cinza. A camiseta era lavada e estendida nas grades. O cheiro forte de suor não saía com água, isso quando a gente conseguia lavar a roupa.
Dentro da cadeia cheira podre. Restos de comida ficam do lado de fora da cela, porque, às vezes, a marmita cai, e a presa fica sem o alimento.

Mais duas semanas se passaram e uma policial chamou alguns nomes pela manhã, o meu estava no meio. Disseram que era dia de irmos até o Fórum, não sabia ao certo o que seria isso, só sabia que o meu nome estava lá.
Tomamos banho e colocamos camisetas limpas. Estavam amarrotadas, porém limpas. Ficamos em fila, uma atrás da outra. O dia estava chuvoso, a água descia do céu e molhava o nosso corpo. O tênis era sem cadarço. Não podia usar brincos, correntes, cintos, anéis ou relógios. Se bem que eu não tinha nada disso. Então, não fez nenhuma diferença para mim. Uma policial nos revistou. É deprimente o jeito que colocam as mãos na gente… dá para perceber a raiva que elas têm das presas.
Enfim, subimos em um caminhão todo fechado e cheio de pernilongos. Não havia janelas, o lugar era escuro e muito, muito abafado. Era dividido por uma chapa de metal e possuía um banco com capacidade para oito pessoas. Cinco meninas ficaram em pé. O motorista parecia que estava tirando o pai da forca de tanto que corria, e o barulho da sirene era ensurdecedor.
Não dava para ficar parada em um só lugar de tanto que o caminhão ia pra lá e pra cá. Saí dele com muito enjoo. Levou mais ou menos uns 20 minutos até o Fórum. Eu não sabia quem era o Fórum, depois percebi que não era gente, e sim um lugar onde o juiz iria conversar conosco. Antes de descermos, a policial nos algemou. Três policiais ficaram nos vigiando com a arma em punho. Uma delas mandou eu colocar as mãos para trás e ateou as algemas em meu braço. Foi apertando até eu dar um gemido, aquilo incomodava muito. Ela riu de mim. Seu hálito tinha cheiro de cravo da índia, tipo aqueles que a minha mãe colocava na canjica…
Que saudade daquele tempo…Eu era feliz e não sabia.
Capítulo 
Méuri Luiza

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