terça-feira, 7 de agosto de 2012

ANTÔNIA - 7


Por alguns segundos, minha mente voltou ao passado, me fazendo lembrar os dias em que brincava com minha irmã no milharal… Minha irmã … Tenho que sair daqui para cuidar dela…  inclinei minha cabeça e chorei.
Vi pessoas muito bonitas de terno e gravata passando de um lado para o outro. As mulheres de preto ou de cinza, com seus terninhos apertados e saltos. O perfume delas era muito bom, usavam maquiagem e estavam sempre com muito papel e pastas em baixo do braço. Fiquei com vergonha… A chuva molhou meu cabelo e minha roupa, estava cheirando a cachorro molhado. Eu me sentia e era um lixo.
Sem saber, fiz um movimento para coçar minha perna, e as algemas se apertaram em meu pulso ainda mais. Senti muitas dores, parecia que estava rasgando a minha pele. Tentei falar com uma policial que estava perto, mas ela me mandou calar a boca.
Tive vontade de chorar…Eu estava sendo desprezada, humilhada, não tinha ninguém, estava com fome, suja… Eu era sozinha… Não resisti e chorei. Havia uma vazio muito grande dentro de mim. O desespero é imenso. A humilhação que uma presa passa é muito grande.
Naquele dia, o policial não me deixou falar nada, tudo o que parecia não era. Nunca trafiquei, nunca roubei, nunca me prostituí. Eu só queria lavar o vidro dos carros para ganhar uns trocados e comer…
Alguém chamou o meu nome. Fui puxada pela camiseta e levada até uma sala. Me tratavam como um bicho.
Tudo muito bonito, móveis escuros e grandes. Dois policiais armados entraram comigo, um de cada lado. Uma juíza mandou eu me sentar. As algemas doíam tanto que tive que pedir:
- Senhora, pelo amor de Deus, dá para afrouxar um pouco essa algema? Eu estou morrendo de dor.
Ela balançou a cabeça autorizando. Quanto alívio em meus punhos, mas isso não impediu que eu sentisse o sangue correndo pelas minhas mãos.
Muitas perguntas foram feitas, inclusive sobre a minha família. A doutora achou estranho eu não ter documentos, achou que eu estava mentindo, mas expliquei que de onde eu vim isso não existia:
-  A gente, lá no sertão, não tem documento para nada, tudo é feito por base de confiança na palavra da pessoa. Além disso, quando meus pais morreram, eu era pequena, e não haviam me registrado no cartório por ser muito longe, nem a minha irmã tem registro.
Ela me ouviu atentamente, escreveu algo em um papel e me mandou sair da sala. Chamou outro nome, e assim por diante. Todas nós fomos atendidas. Eu até tentei dizer minha idade, mas acho que ela não acreditou. Devido o trabalho no sertão, nossa pele fica grossa de tanto sol e nossa aparência é muito mais velha do que somos…
Por volta das 15h, voltamos para o presídio. Voltei para a cela. O horário do almoço já havia passado e ninguém pegou a minha marmita. Mais uma vez me senti um lixo e sozinha. Fiquei com fome até a noite, quando chegou o mingau de arroz. Eu nem senti o gosto ruim dele, queria mesmo acabar com a minha fome.
Aqui na cadeia tem gente de todo tipo. Mulheres que mataram seus familiares ou alguém desconhecido; que roubaram; traficaram; e outras são um tal de 171. Aqui tem gente muito ruim, que quer, a todo momento, derramar sangue. Parece que elas procuram briga para fazer guerras. Os palavrões são todo tempo, os xingamentos e mentiras são inúmeros. Aqui dentro, o diabo reina, é o senhor dessas meninas.
Uma delas é chefe de alguma coisa no morro. Ela dá ordem daqui de dentro e a pessoa lá fora é morta. Eu não entendo como alguém que está presa em uma cela pode dar ordens aqui e outras pessoas lá fora executarem. É incrível! Uma palavra dela aqui move o mundo de lá.
Capítulo 8
Méuri Luiza

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