segunda-feira, 18 de junho de 2012

ANTÔNIA - 1


Você tem mãe? Você conhece a cadeia? Sabe o que acontece lá? Vou contar minha história. Realmente a injustiça acontece e quando percebemos, estamos sem ninguém, simplesmente sozinhas nesse mundo. O que fazer? Recorrer a quem?
( História baseada em relatos de jovens que estiveram em uma cadeia feminina)
Imagine ter apenas 10 anos de idade e ver sua mãe caída no chão, morta. Foi o que aconteceu comigo.
A minha mãe teve uma parada cardíaca fulminante e morreu junto com as galinhas. Ela estava dando comida para elas no quintal e, de repente, caiu… Morreu…. Não deu tempo de socorrer. Nem que desse tempo, onde nós moramos não tem hospital. Eu fiquei perto do corpo dela esperando meu pai. Quando ele chegou, o corpo dela já estava gelado e seus lábios roxos. Fiquei o tempo todo sentada no chão e coloquei a cabecinha dela em meu colo. Minha irmã estava com meu pai. Eles estavam pegando água no riacho, que fica a cerca de 10 km de casa.
Meu pai chorou… Carregou minha mãe até a nossa casa e a colocou na cama. Seu corpo, imóvel, ficou lá por alguns minutos. Ele fez um buraco no fundo de casa e lá enterrou nossa mãe. Fez também uma cruz. A madeira vertical ficou torta, nem parecia uma cruz. Minha mãe, agora, estava embaixo da terra, no fundo de casa, perto das galinhas.
Eu me vi sozinha para cuidar da minha irmã e do pai que acreditava, não iria aguentar, ele era muito fraco nos seus sentimentos…
Eu me chamo Antônia, minha irmã Márcia, meu pai Pedro, e minha mãe, Cida.
-*-
Eu gostava muito de brincar com minha irmã. Ela é dois anos mais nova que eu. Nossa casa muito simples. Feita de pau-a-pique. Meu pai foi quem fez com um barro que se aplica num enramado de bambu.
A gente se divertia enquanto meu pai trabalhava.
Nós morávamos em outro lugar, mas estávamos ficando sem água, porque havia seca e até os animais vizinhos estavam morrendo. Agora, onde estamos, tem um riacho bem legal e meus pais acharam melhor ficarmos aqui para sobrevivermos. Para pegarmos água, vamos em uma carroça, e o boi vai puxando. Às vezes dói o corpo de tanto que chacoalha. Eles vão duas vezes na semana pegar água, e a gente armazena em barris. Dá para tomar banho de caneca, fazer a comida e alimentar as galinhas também.
Há algumas árvores em volta da casa. Tem jaca, pitomba, goiaba e graviola. Minha mãe fazia sucos para nós. Ela também fazia macaxeira assada, uma verdadeira delícia com suco de pitomba!
Minha irmãzinha sempre ficava comigo. A gente não se separava por nada. Um dia eu quis brincar com as espigas de milho fazendo bonecas. Ela ficou encantada, e a partir de então, brincávamos de casinha todos os dias.
Depois que a minha mãe morreu, a gente não brincou mais.
Eu já estava com dez anos, e ela com oito. Eu cuidava da Marcia, sempre cuidei. Quando ela acordava à noite, com dores de barriga, eu saía pelo quintal à procura de erva cidreira para fazer um chazinho para ela. O tempo foi passando e ela começou a me chamar de mãe. Eu achava meio estranho, mas não consegui tirar isso dela.
Aprendi a fazer comida, chás milagrosos, compotas, organizar a casa, limpar o chão de terra batida, fazer os sucos com as frutas do quintal e, o principal, cuidar do meu pai. Ele entrou em depressão profunda e a única coisa que fazia era buscar água com o boi para nós. Isso porque eu não aguentava com o peso dos barris.
Sempre cuidei de tudo. A minha mãe me ensinou muita coisa, mas eu sempre precisei dela. Quando fiquei mocinha, pensei que tivesse me machucado. Eu não sabia para quem falar. Tinha vergonha de falar sobre isso com o meu pai, porque eu não sabia o que era. Além disso, a nossa vizinha ficava a cerca de 20 km da minha casa. Depois de três meses eu descobri que era normal, porque todo mês acontecia.
Em parte, para mim, foi bom, porque quando aconteceu com minha irmã, eu já pude tirar de letra e ensiná-la. Meu pai nem ficou sabendo. Aliás, ele nem conversava com a gente. Um dia eu tive que dar macaxeira na boca dele. Nem comer ele estava comendo. A depressão estava matando aquele homem dia a dia.
Havia uma árvore a uns 40 metros de casa. A gente costumava subir nela para brincar, mas agora a gente não quer nem passar perto.

Nenhum comentário:

Postar um comentário