segunda-feira, 13 de agosto de 2012

ANTÔNIA - 8


Tem mulheres que sofrem a dor da saudade dos filhos. Elas choram escondidas em cima das fotos, dos desenhos que seus bebês fazem. No final da visita tem papel colado por toda parede.
Muitas diminuem a saudade passando os dedos pelos rabiscos feito pelos seus amores.
Uma delas, tem uma linda menina de um ano e meio. A criança está sendo criada pela avó, que é mais pobre que tudo, mora no meio da favela e nem tem leite para dar à pequena. Essa triste e desesperada mãe vende cigarros aqui. O dinheiro que ganha, esconde no colchão e quando sua mãe vem visita-la, entrega em suas mãos o pequeno valor para a compra do alimento da filha.
As vezes penso que a mãe da Mariana só vem visita-la por causa do dinheiro. O olhar dela é frio, não demonstra nenhum amor…
Acredito que ela só está viva aqui nesse inferno, por causa da sua bebê, senão com certeza já teria se matado e saído desse lugar, mesmo que fosse morta.
Teve uma discussão entre elas aqui, isso acontecia todos os dias, mas, dessa vez, elas fizeram o que prometeram. Uma das meninas desafiou a autoridade da Machadinha e, pela manhã, fez a garota beber da própria urina. E disse que da próxima vez ela iria beber da urina das outras presas.
Há outra cujos dentes foram quebrados com socos. Sua boca ficou toda estourada, seus lábios ficaram muito inchados e três dentes jogados no chão.
Aqui se apanha por levantar os olhos, ou nem por isso, se elas não gostam de você lhe matam, é simples.
Eu ainda não sou aceita aqui e nem quero mesmo. Quero sair logo desse inferno. Continuo dormindo no chão, no canto direito da cela. Os pernilongos e percevejos são incontáveis, existem por todo lado. Minha perna está em carne viva de tantas picadas.
Essa noite não consegui dormir. Uma das detentas estava tossindo muito, a menina ardia em febre. Era uma tosse grossa, muito carregada com sangue e pus. Há alguns dias eu reparei que ela não estava se alimentando – também, a comida é horrível – emagreceu bastante e estava muito debilitada. Pela manhã, quando chegou o desjejum, ela não comeu. Seu pão emborrachado foi tragado pela Machadinha. Ela recebeu esse nome porque matou seu companheiro com uma machadinha, esquartejou o corpo dele e colocou no porta malas do carro. Pois é, são com essas pessoas que eu estou compartilhando uma cela… Eu, que não fiz nada. Por isso não aceito essa injustiça comigo!
Passo meus dias sem falar com ninguém, nem ouso levantar meus olhos. Se alguma delas perceber que estou olhando para a sua direção, posso apanhar até morrer.
Chegou domingo, é dia de visitas. Os familiares chegam por volta das 14h para visitar as meninas. Às vezes fico na esperança de aparecer alguém para me visitar… Mas quem? Eu não tenho ninguém. A minha irmã nem sabe que estou aqui, e nem quero que saiba, ela pode ficar preocupada e não quero isso. Outro dia, vieram alguns evangélicos e trouxeram uns livros. Conversaram conosco e deram uma palavra de paz…
Paz, uma palavra tão pequena mas tão importante nesse lugar, porém algo impossível… Queria tanto que eles voltassem…
Geralmente quem visita são mães e filhas. Elas são revistadas, e nem todo tipo de comida pode entrar. Algumas levam sabonetes e shampus, outras chocolates e doces, outras não levam nada, apenas o amor… Isso já é o suficiente para quem vive no inferno.
Reparei que algumas meninas ficam nas celas, como eu, porque não tem ninguém que as visite. As outras ficam no pátio com os seus. Vi uma menina linda, de uns quatro anos, gritar a palavra “mãe”. Ela correu em direção a alguém. Não pude deixar de acompanhar os passos da garotinha a fim de descobrir quem era a sua mãe. Para a minha surpresa, é filha de Cadú, a detenta mais temida da cadeia. Ela é a chefe de alguma coisa lá fora e domina a área de dentro também. Todos a respeitam e a obedecem. Foi ela quem deu ordem para bater até matar a Ana.
Cadú pegou a menina nos braços e a abraçou com toda força. Acho que sua mãe trouxe a filha para a visita.
Continua na próxima terça feira
Méuri Luiza

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